Há uma conexão íntima entre pessoas, poder, pobreza e espaço e não existe uma cidade melhor no mundo para analisar isto do que Detroit. Com a falência iminente não podemos perder de vista as questões humanas que confrontam esta cidade.
Durante décadas o capital e o poder se afastaram do centro de Detroit. Os complexos motivos para tal são de conhecimento geral, portanto não há necessidade de repassá-los aqui. Mesmo diante do fracasso do governo municipal em administrar seus bens corretamente, isto está mudando. Há um movimento lento e hesitante de volta ao centro. Este movimento é um boa notícia por vários motivos: ajudará a reforçar a base tributária, que é o problema financeiro básico que a cidade enfrenta; e o mais importante é que a volta ao centro criará uma conexão espacial mais forte entre o poder e a pobreza que, há um século, não é visto na região.
O poder verá a pobreza e a pobreza o poder. Um sentirá a existência do outro. Eles verão a humanidade de cada lado e serão forçados a reconhecer a responsabilidade compartilhada que carregam por este espaço também compartilhado. É assim que cidades com densa urbanidade e vitalidade operam. Há a aceitação da diversidade em todos os níveis. Barreiras são transpostas e a interação humana encorajada. Assim é como se cultiva a criativdade. A exposição a diversas pessoas, locais e idéias animam e promovem a imaginação e um senso de pertencimento.
É claro que não há ilusões aqui. Os ricos e poderosos não são suscetíveis a perderem seu tempo nas esquinas. Isto forçaria a natureza humana para além de seu estado atual. Mas, como na cidade de Nova York e outros espaços de densa urbanidade, haverá ao menos um lugar de compartilhamento comum para que as pessoas, ricos e pobres, possam tentar melhorar em conjunto.
Por muito tempo investidores e arquitetos planejaram e projetaram comunidades segregadas dentro e fora dos limites de Detroit. Construíram comunidades residenciais muradas, empreendimentos residenciais unifamiliares suburbanos distantes, construíram escritórios e parques industriais com armazéns como locais de trabalho descolados de qualquer outra instalação, construíram shoppings circundados por um mar de estacionamentos separados das casas dos compradores que ali moram. O medo inato do outro, o desejo por proteção e separação de si mesmo através da diferença, a mera conveniência e a simplicidade de instalar-se em terra virgem, criaram um modelo onde uma classe rica, pobre e media foram isoladas em um lugar, separadas umas das outras. Este foi um modelo lucrativo para alguns mas prejudicial para a cultura e economia gerais.
Em grande parte do país e especificamente em Detroit nos faltou a opção de uma vida urbana diversificada e densamente vivenciada. Muitos de nós prevemos e esperamos por uma cidade mais segura onde possamos andar e viver com uma diversidade de pessoas e lugares para desfrutar. Desejamos os benefícios de uma vida em um local diversificado econômica e socialmente. Este anseio está agora sendo reconhecido.
Investidores estão vendo a demanda pela vida urbana em Detroit, porém a mudança é lenta. Esperamos que a falência não amorteça este progresso. Kurt Metzger de Data Driven Detroit relembra que "o maior parque habitacional no centro está lotado. Que os investimentos estão aumentando (no centro) mas a população precisará aguardar por novas moradias. A tendência começou e o momento está definitivamente ali. Os aluguéis precisarão subir um pouco mais para convencer bancos, investidores e avaliadores de que o mercado está pronto". Eu acho que não há dúvida. O mercado está pronto. Nós estamos prontos.
Arquitetos estão trabalhando junto com investidores e comunidades para ajudar a realizar o projeto. O primeiro desígnio de um arquiteto é imaginar um mundo melhor construído. Além dos detalhes construtivos ou qualquer estilo específico de edificação ou tipologia, trabalhamos com nossos clientes e comunidade pela construção de uma visão compartilhada sobre como queremos viver. Então, fornecemos a habilidade técnica e artística para tornar esta visão real.
Todos os sinais para fazer isto acontecer estão lá. Recentemente arquitetos e outros projetistas contribuíram com quase 200 inscrições no concurso para o Hudson's Site patrocinado por Opportunity Detroit; mais de 200 (também não somente arquitetos) inscreveram-se para o concurso internacional de projetos Hart Plaza patrocinado pela AIA Detroit; AIA e outros arquitetos como Dan Kincaid e Dan Pitera de U of D Mercy estão participando e liderando o projeto de obras de Detroit; O comitê de prioridades urbanas da AIA Detroit mobilizou jovens arquitetos para o evento "Jazzin on Jefferson" em junho; e, é claro, arquitetos estão trabalhando com clientes privados em grandes e pequenos projetos que irão finalmente preencher os espaços e fazer com que Detroit seja uma localidade urbana agradável.
As principais diretrizes desta cidade, a alma e a criatividade de seus habitantes, que vivem na cidade de Detroit ou em suas comunidades circundantes, fazem possível a reconstrução deste local de modo autêntico. Da beleza do Rio Detroit ao plano diretor Woodward estabelecido em 1805, da combinação das ruas em grelha e híbridas às icônicas construções históricas que preenchem o skyline, os ingredientes para se fazer um ótimo lugar estão lá.
Para os cidadãos, lideres comunitários e arquitetos há um ingrediente critico que não podemos esquecer: esta é uma jornada compartilhada, não um empreendimento privado. Não importa quão pobre ou poderosas são as pessoas, juntos, recriaremos este espaço e somente poderemos ser bem sucedidos se todos forem incluídos em sua visão e encorajados a participar de sua construção.
Frank X. Arvan é presidente da AIA Detroit. Este artigo apareceu originalmente em Model D como "Opinion: Despite Detroit Bankruptcy, Architects Must Imagine A Better Built Environment"
Imagem dos trilhos da ferrovia em Detroit via Shutterstock.com